Poucas são as palavras que possam expressar a magnitude e o impacto do legado e obra do Professor José Mattoso. Mestre e intelectual, a sua obra revelou-se e revela-se um marco incontornável, tanto para o nosso entendimento do passado medieval português e da construção do país que somos, como para a afirmação de um novo paradigma de fazer e entender a História, liberta das funcionalidades legitimadoras do presente e aberta a novos campos e saberes e à sua compreensão em contextos e dinâmicas mais vastos. Ler a sua obra, reflecti-la e questioná-la é obrigação incontornável de todos os que desejem aproximar-se deste passado medieval. Não porque ela seja eterna – esse atributo não nos pertence – mas porque ela é seguramente fecunda e interpelante.

Investigador e docente, José Mattoso ligou-se também de forma indelével à fundação do Instituto de Estudos Medievais, juntamente com Luís Krus e o seu primeiro grupo de investigadores. Durante estes mais de 20 anos, nunca deixou de intervir, incentivar e acompanhar a vida do Instituto, contribuindo para que este se afirmasse como um espaço de excelência na investigação, produção e disseminação dos estudos medievais, no diálogo fecundo de saberes e metodologias, em ordem à uma mais rica e problematizante compreensão do passado. Foi também um apoiante entusiasmado da Medievalista, a revista online do IEM, fundada por Luís Krus em 2005, e cuja direção assumiu entre 2008 e 2015. Até ao fim da sua vida, sempre acompanhou esta iniciativa, continuando a contribuir com artigos ou recensões e, sobretudo, com a sua atenção e o seu apoio.

Demandador constante de uma mais profunda compreensão do passado, sempre valorizou a discussão e o debate em torno das questões que considerava fulcrais para o avanço do seu conhecimento, inclusive das suas próprias hipóteses interpretativas. Recusando quaisquer livros de homenagem, acabou por aceitar com agrado a proposta da realização dos “Seminários José Mattoso”, enquanto espaços destinados precisamente ao debate e reflexão em torno de temas e pistas deixadas pela sua investigação. Iniciados em 2004 por Luís Krus, estes seminários tiveram já seis edições, que o Professor sempre acompanhou na medida das suas possibilidades, pretendendo o IEM dar-lhes continuidade como forma de revisitar, dar visibilidade e uma ainda maior fecundidade ao seu legado historiográfico, incentivando novas abordagens, interrogações e inquietações e promovendo áreas emergentes no âmbito dos estudos medievais.

Do mesmo modo, recordamos como o Professor José Mattoso acompanhou de perto e fez-se presente em muitas outras iniciativas científicas promovidas pelo IEM, e se mostrou verdadeiramente interessado por acompanhar jovens e menos jovens investigadores, por saber o que de novo se ia fazendo, que projectos avançavam e que livros se haviam entretanto editado. Muitos dos nossos investigadores podem testemunha-lo pessoalmente, bem como não deixou de apoiar muitos dos livros dos seus discípulos e amigos, com prefácios onde sempre procurou evidenciar o que traziam de novidade, de acréscimo de conhecimento, de perspectivas outras de questionar e compreender o passado.

Longe de endeusamentos ou de absolutizações, aliás sempre por ele denunciados como formas de poder e de desumanização, queremos sobretudo evocar este querido mestre – e com ele, também Luís Krus – no que ele(s) nos pode(m) inspirar nessa infatigável, bela, rigorosa, criativa, busca de compreensão do passado. Sabendo que a própria busca obriga a refazer, reconstruir, questionar, abrindo à colaboração, ao escutar dos outros, ao olhar crítico e atento, sempre profundamente livre. Como o Professor José Mattoso nos ensinou, até ao fim.