Apesar da existência de muitos estudos sobre as fontes e oportunidades que levariam à composição das Cantigas de Santa Maria, elaboradas no scriptorium do rei castelhano-leonês Afonso X durante a segunda metade do século XIII, muitas questões ainda permanecem sem uma resposta que possa satisfazer os estudiosos ou simples entusiastas desta magna obra. Isso é determinado principalmente pela ausência de fontes documentais e pela falta de referências concretas – além das retóricas – ao contexto de produção desses textos e aos modelos que os poderiam ter inspirado.

Se, para a primeira parte da coleção, está claro que as razões para a introdução de muitas Cantigas de Santa Maria correspondem à vontade de Afonso X de imitar as grandes coleções de milagres marianos espalhadas por todo o território europeu com o propósito de demonstrar – com a escolha, precisamente, dos prodígios mais famosos – a sua profunda devoção à Virgem Maria, à medida que o projeto se estende esses motivos não parecem já suficientes para justificar algumas outras escolhas.

De facto, além dos milagres de renome internacional não relacionados à atividade de propaganda de algum santuário local, logo começam a aparecer na obra milagres que mostram uma ligação com locais de culto consagrados à Virgem Maria localizados na Península e cuja razões para sua composição não parecem coincidir apenas com um gosto estético ou doutrinário procedente de uma tradição milagrosa altamente consolidada.

Voltando a considerar alguns santuários escolhidos para representar a capacidade da Virgem Maria de operar na Península (como, por exemplo, os de Tudia, Salas, Villasirga e o português de Terena), percebe-se imediatamente que outras razões ligadas às vicissitudes políticas e pessoais do monarca se sobrepõem às já citadas de ordem devocional.

Com base nessas observações preliminares, ancoradas em contribuições anteriores que destacaram, com razão, a inclusão progressiva destes prodígios mais localizados ou vinculados às experiências políticas do soberano castelhano-leonês, neste seminário será feita uma tentativa de definir algumas das possíveis motivações que levariam Afonso X e seus colaboradores a considerar alguns santuários em vez de outros e quanto (e onde) poderia operar o “peso da história” na seleção deles e dos seus milagres.

Nesse sentido e assumindo o título proposto, este encontro será focado para entender se a biografia histórica e pessoal do monarca castelhano desempenhou um papel decisivo durante a fase de coleta dos prodígios que serão examinados ou se, em certos casos, o soberano aproveitou um conjunto de materiais e motivos tradicionais para renová-lo em um novo contexto político e social favorável a ele.

Nota biográfica do orador:
Manuel Negri obteve, em 2012, um mestrado em Filologia Moderna na Universidade de Pádua e, desde 2017, é Doutor em Estudos Medievais com Prêmio Extraordinário pela Universidade de Santiago de Compostela, com uma tese sobre santos e modelos de santidades nas Cantigas de Santa Maria. Atualmente é Investigador Pós-Doutor Contratado no Departamento de Filologia Galega da Universidade de Santiago de Compostela (I2C – Mod. A, financiado pela Xunta de Galicia) e Academic Visitor na Faculdade de Língua e Literatura Medieval da Universidade de Oxford. As suas pesquisas tratam principalmente de poesia religiosa medieval galego-portuguesa, no específico das fontes das Cantigas de Santa Maria e das suas ligações com o contexto histórico, cultural e literário da Península Ibérica do séc. XIII. Participou já em vários Congressos Internacionais dedicados à literatura medieval e, entre as suas publicações, destacam trabalhos aparecidos em reconhecidas revistas do sector, como Cultura Neolatina, Zeitschrift für Romanische Philologie, Revista de Literatura Medieval e Critica del Testo. É membro da Associação Hispânica de Literatura Medieval (AHLM) e Investigador Integrado no Centro de História da Sociedade e Cultura da Universidade de Coimbra (CHSC).