Viver na fronteira do Douro. Para uma história social da fronteira através da arqueologia e das fontes jurídicas de al-Andalus
Grande parte da historiografia dedicada à fronteira do Douro centrou-se no estudo das fortificações e das campanhas militares desenvolvidas neste território, considerado como uma terra de ninguém até finais do século XX, onde duas forças políticas — al-Andalus e o reino astur-leonês — realizavam as suas incursões. Embora os debates sobre a “Reconquista” e a “despovoação” estejam hoje superados, permanece ainda muito trabalho por fazer no que respeita ao estudo da transformação da paisagem no norte do ṯagr al-awsāṭ, bem como à análise do tipo de sociedade que aí se desenvolveu entre os séculos VIII e XI e das relações estabelecidas entre os novos conquistadores e a população indígena preexistente.
A análise arqueológica das fortificações revela diferentes escalas de controlo territorial, desde a escala local — relacionada com o domínio de povoados pré-existentes — até à escala supralocal, em que as fortificações se organizam em redes hierarquizadas ao longo dos diversos vales do Douro. Além disso, o recurso a fontes jurídicas e sapiencais provenientes de al-Andalus, como a obra de al-Utbī (m. 255/869), que descreve o processo de formação da sociedade islâmica em al-Andalus, ou a de Ibn Baskuwāl (m. 578/1183), que compila fatwas até à época almóada, juntamente com os ṭabaqāt — um género biográfico que narra a vida de ulemas e sábios — permite enriquecer a descrição da vida na fronteira do Douro. Estes testemunhos apresentam casos de convertidos que traficavam armas, ulemas que praticavam ribāṭ em fortificações de fronteira, e sábios venerados tanto por cristãos como por muçulmanos, entre finais do século VIII e finais do século XI.
